domingo, 13 de dezembro de 2015


O pé de sapoti

Eis que tu reinas
No quintal ensolarado
Da casa das minhas lembranças.

Em pequena
Gostava de escala-lo.
Queria chegar até a sua copa,
Explora-lo.

Sempre fostes muito convidativo.
Teu caule inclinado
Como um cão
Que cumprimenta quem gosta
Dizia-me:
Venha...
Empondero-te
à subida.

As vezes,
Em horas de nada pra fazer
Me ocorria encontrar-te.

Nos instantes do regresso
Ali ficava a fitar-te.

Minha mãe, meus tios,
meus primos, irmãs e eu...
Todos brincavam em ti e contigo.
Assististes a todas as festas
Realizadas no quintal.
Entregaste a nós
Todos os teus frutos.

Sobrevivente
Às mais fortes cheias,
Às ervas daninhas,
Permaneces.

Nas marcas do teu tronco
A história da minha família.
Lise Mary Soares Souza










O presente da Lena

Eram amigas. Afinal, família Lima é gente conhecida por ser unida.
Lena gostava de se maquiar. Era bonita, vistosa. Filha mais nova de tia Inês.
No dia do casamento de Célia, la veio ela...feliz e com um pacote nas mãos.
Era um conjunto de xícaras de café,  com seus bules e açucareiro.
Célia, feliz com o casório estava a se preparar...
Imagino-a tão linda...Em vestido de noiva rendado...flor de laranjeira no cabelo e  um tanto de expectativas.
Sim, pra vida inteira, junto ao seu amado Alberto.
Lena?
foi viver sua vida...de Mossoro à Dona Leopoldina
Da Fortaleza de outros tempos,
Casou, enviuvou...deixou filhos e netos.
As xícaras?
foram eleitas pela noiva para enfeitar:
Embelezar a nova vida a dois que começava.
Lembranças de um tempo bom.
As xícaras adornaram a vida de Célia,  mesmo nos momentos mais difíceis, de perdas irreparáveis.
Hoje ela me mostra tal adorno,
Contando - me estórias do seu passado feliz.
Prepara as xícaras em cima da mesa,
Posicionando-as como quem arruma uma casinha de bonecas
Apenas para que juntas admiremos esse mimo.
Enquanto
Silenciosamente
Vagueia pelas suas recordações.
Lise Mary


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015





Encontro


Às seis horas da alvorada
E à tardinha
Lá estava ela,
Enrodilhando os cabelos
No alto da cabeça.
Todos os dias.
Impreterivelmente.

Olhando - se no velho espelho
Tomava à mão antigos grampos
encontrando o jeito certo de prende - los
em sua ventura.

Seu ar era silencioso...
Em que estaria pensando?
Talvez na lida da casa,
Em um favor prometido...
Ou em uma providência
Provedora,
Dessas de clarividência,
Que aquieta uma alma sofredora.

Sua tez era solene
Com ar de fidalguia,
Tão inerente às Lima:
Mulheres valentes
De sangue no olho
Do aracati ao camurim.

No coque,
A arte de cozinhar
E a experiência
de ser mãe e avó.

No ato de enrodilhar os cabelos,
O banho tomado,
Exalando cheiro de vó.

Ao término do ato
Punha-se na rede de corda a rezar:
Preces aos seus.

Era nessa hora
Que eu me aproximava.
Ela deixava - me chegar.
Eu sentava ao seu lado
na rede de corda...
Corda de tantos nós.
Nós de contar e de contos
Vovó começava a falar

Seus ditos e não-ditos
Sobre seus pais e irmãos.
Sua meninice
Seus parentes.
Seus filhos
Seus cuidados.
A tempestade e a bonança...

Eu posso ainda ouvir a sua voz.
Seu eco ecoa...
como um sussurro nesse instante.
É como uma epifania,
Uma manifestação inesperada,
Delicada e divina
a invadir - me.
Um regalo
Para meu espanto e encantamento!
Lise Mary Soares Souza

terça-feira, 8 de dezembro de 2015




Cor redor

Todos os Lima
Os Lima Soares
Os Cavalcante Soares
Seus descendentes,
E os primos
Os meus em especial

Eles Sabem
nós sabemos.
O que foi e é.
Esse nosso corredor.

Passagem,

O som das pisadas,
O eco das risadas,
As brincadeiras de esconder

Esse corredor tão grande
foi se tornando pequeno
Ao ver a gente crescer

Passadoiro,

que une o alpendre à sala
Às redes de corda, resvala
ao radio
em som antigo
E à velha cadeira de balançar

Pórtico

Que se banha das frestas de sol
Dos postigos da sala
Como se fosse girassol
Mas
Que escurece cedo
Deixando-se corredor
De morcegos
Filhotes de cruz credo

Corredor de fluir
De querer logo chegar
Expectativa de quem de longe vem
Ao colo da casa entrar.

Lise Mary Soares Souza

domingo, 29 de novembro de 2015

A casa dos meus sonhos



OÁSIS

Quando adolescente, pegava uma magrela emprestada e ia te visitar...
Você sim...sitio do meu avô.
Nunca vi sua casa com brilho...
Sempre fostes assim: desajeitado, maltrapilho, tosco.
Confesso que tinha vontade de fazer algo por ti.
Queria enche-lo de cores e de vida...tudo parecia tão seco! Seco de tudo.
Como podia nos finais de semana chegarem à casa de Itaiçaba tantas espigas de milho, tantas fileiras de feijão, melões e que tais..? Haveria um oásis em ti escondido?

Só uma vez te vi florido.
Foi na primeira vez que te vi.
Estava de mãos dadas com o meu avô. De repente ele soltou a minha mão de menina e me pediu para esperar ali no quintal de ti...
Vi-o metido em calça e camisa de linho branco, atravessando teu mato verde, cheio de flores e de cheiros,até chegar a um pequeno catavento.
O olhar de cientista do meu avô que era cego, dava conta de como deveria ser o funcionamento de todas as coisas. Rapidamente deu instruções ao agricultor de como fazer o que tinha de ser feito.
Minha perplexidade de criança nada entendia, apenas admirava.
Registrei na minha memória esse acontecimento.
Foi a última vez que vi o meu avô.

Hoje na minha adultez ainda pueril, passo em frente a ti.
Tento aproximar-me do local onde vi meu avô pela última vez..procuro registrar foto...gráfica...mente...
o que para sempre estará registrado na minha memória de criança.

Não o vejo
O tempo é seco.
A vida parece ter saído dali.
Apenas um cachorro solitário toma conta vigilante.
Mas...e o oásis
Ainda existe?
Sim.
Pelo menos dentro de mim.

Lise

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Quem Trouxe?


Quando todos os que dela podem falar
Se entenderam como tal...
Ela já estava lá.

Quem trouxe?
Não se sabe.
De onde veio?
De uma certa casa
No Rancho do Povo.

As crianças da família
De geração em geração
Em seu colo se balançaram
Feito ave de arribação.


domingo, 18 de outubro de 2015

O sol de tantas vidas


O sol das carnaúbas.
O vento, a bruma.
Os pássaros.
O silêncio.

O tempo que para
E assiste.
Algo acontece.

Êxtase sem partidas
Colo de braços ancestrais
Como se presentes...

Numa teia enredada
De lembranças
Apacentadas.

Lise



quinta-feira, 15 de outubro de 2015

O Santuário da vovó









Por favor Ducila: Deixe-me arrumar seus santinhos...
Para que eu possa admirar
A forma como foram feitos,
As feições de pureza dos anjinhos
Os castiçais que alumiam a lapinha
Os pedidos em forma de bilhetes
A dedicatória dos missais
E o repeteco de suas ladainhas

- Lise


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O Relógio




Ouvi-lo no calar das noites
Quando a insônia é a única companhia
É lembrar que apesar de tudo
Amanhã é inexoravelmente...
outro dia

Suas badaladas
Sugerem ao ente
A cada forte violada
O tempo intermitente

Fazer, chegar
Partir e rezar
Desde o século XIX
Ele lá está.

Pendurado
Enredado no tempo
Vendo através das horas
O que restou
Na caixa de pandora.

- Lise

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Célia, artesã de mão cheia.

Célia é uma pessoa muito especial.
Ela tem aqui na Ramada,  em Itaiçaba um hospital de bonecas.
Aquelas bonecas sem braços, pernas, olhos....
Sujas, maltrapilhas,  sem cabelos ou com eles desgrenhados....
Feias e moribundas...
Ao chegarem em sua casa, são tratadas com amor e carinho.
Célia,  artesã de mão cheia, logo, logo, vai procedendo a transformação e trazendo vida a elas...tal como GEPETO.
Reconstrói os braços e as pernas...
Devolve aos cabelos seu brilho, lavando-os, enxaguando-os e colocando-os para quarar.
Retalhos, agulhas e linhas entram em ação, afinal...."figurino é obra de arte", segundo ela. Célia dá  asas à imaginação...coloca laço de fita, confecciona sapatinhos e da máquina de costura saem modelos de trazer o brilho no olho das crianças.
Todo esse trabalho começou quando Marta, sua filha, arrecadou bonecas imperfeitas e usadas para uma festa de Natal das crianças necessitadas. Um dia ela chegou em casa com as tais bonecas desvalidas e Célia transformou-as!
De lá  para cá,  o trabalho intensificou-se. Quem sabia, mandava as bonecas para doação e Célia,  em sua alquimia as devolvia para as crianças em novos endereços, tais como o Instituto Peter Pan.
Algumas pessoas, ao saberem do trabalho de Célia,  começaram a doar retalhos, sapatinhos, linhas e outros que tais.
Carrinhos, brinquedos de madeira, soldados de chumbo começaram a aparecer, como que saídos de velhos livros de estórias infantis...todos eles têm ganhado vida nas mãos  de Célia.
Estamos começando uma campanha aqui no blog.
Quem tiver interesse em ajudar é só entrar em contato conosco por aqui...
Pode ser desde retalhos, linhas, lãs, ate as bonecas.
Afinal sempre haverá natal e crianças encantadas.






segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Refresco




Numa certa prateleira
Entre copos de outros tempos...
Eis que surge
Brilhante
Uma jarra,
uma jarra de refresco.

Com seu conjunto de copos
delicados e sutis
Adorna a cristaleira
centenária
De um certo tio Samuel.

Um presente recebido
Nas primeiras bodas de Celia
Por tio Joaquim
Ou compadre Joaquim,
Ou..Meu avô.

Fico aqui a imaginar
Quando o conjunto,
Posto à mesa
Em toalha bordada
Refrescava as conversas,
Refri...gerando os pensamentos
Do vi andante.

Embala..dor das novidades,
A jarra de refresco
Ante o tilintar dos copos
Assiste muda e suada
Aos sons do opus.

Hoje guardada
Num canto da cristaleira antiga,
Pede para não ser esquecida

 - Lise








Uma Colher


Um raro exemplar
De Seis,
seis de cada.
Seis colheres,
Seis garfos,
Seis facas.

Uma colher
Em formato de ventre
Desses que recebe
Os filhos, os hóspedes
E que sabe acolher.

Colher de
Enredar, alcançar
Surpreender.

Colher de alimento,
Jardineira do tempo
Que aconchega
Do corpo e da alma
O melhor que a vida pode dar.

Um símbolo de familia
Que se criou e criou tantos.
e que como troféu,
Está à mostra, todos os dias
Em cima da mesa
Ou ao lado do prato
Sem que ninguém suspeite

- Lise



A colher do primeiro faqueiro agora inexistente, de Célia Lima de Sena, comprado em 1960.

domingo, 11 de outubro de 2015

O que a gente precisa pra ser feliz

Trecho do discurso de inauguração da quadra poliesportiva da localidade de Tomé  Afonso, distrito de Itaiçaba proferido por Roberto Lima de Sena, o nosso Betinho,  filho de Alberto e Célia.

"Quem foi meu pai para colocarem o nome dele num ginásio? Acho que um filho de Tomé Afonso, como tantos homens simples e justos que também merecem seu nome aqui. Mas se hoje é meu pai, julgo ser pelo carinho, admiração e respeito que tantas pessoas demonstravam por ele. Quando perguntarem quem foi Alberto Sena, não gostaria que dissessem: foi um homem importante, trabalhou na política,  teve destaque na sociedade. Sendo verdade ou não,  não considero isso relevante. Como eu ficaria feliz de ouvir alguém dizer: foi uma pessoa normal como eu e você, mas que se importava com as pessoas que estavam à sua volta. Se importava de verdade, não para aparecer ou receber aplausos, mas pela compreensão profunda, talvez não verbalizada, de que pra dar a vida a alguém,  devemos morrer nós um pouco. Certo dia, um tempo atrás,  um senhor veio falar com minha mãe: - Dona Célia,  quero lhe agradecer !!! Seu Alberto quando era vivo, pagou os meus estudos porque eu não  tinha como bancar o colégio. Muito obrigado! Essa nem minha mãe sabia! Uma vez, ele mesmo me disse: - sabe o que a gente precisa pra ser feliz? Só de uma vida simples e cheia de amigos".


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Onde tudo começa

Convidamos você a percorrer esse blog e dele participar.
Faço parte de uma família que tem o costume de guardar as suas memórias...em caixas, cofres e baús e pendurá-las no sótão....
Em criança costumava cultivar o desejo de subir nesse sótão.
Um dia, tive a brilhante idéia de subir naquela escada perigosa que se encontrava na área entre a farmácia de meu avô e a casa...meu pai me apanhou no terceiro degrau...
Marmelos à parte...primeira vez que apanhei de meu pai.
Só houve uma segunda...e essa porque quebrei uma certa TV de uma tia querida, a Núbia...pois insistia em consertar seu transformador...não podia perder Shazan e Xerife!
Longos anos se passaram...
Uma vez, a mesma tia querida, convidou-me, eu já adulta e cheia de coisas pra contar sobre a vida, para montar o memorial da Farmácia São João. Era perto do centenário de fundação da farmácia e tal empreitada exigia que eu tivesse acesso às memórias guardadas naquele mesmo sótão.
Jardim das delícias! Eu...e o meu desejo de infãncia...sendo assim materializado e outorgado, legitimado!
Iniciamos os trabalhos no final de semana seguinte. Eu e dois tios queridos, Lourdes e Stenio.
As caixas desciam do sótão pelos braços de Magela e com ele, as estórias da família, traduzidas nas dedicatórias dos retratos, nos santinhos presenteados a alguém, nos missais, nos livros, nas cartas.
Símbolos, aos poucos foram se mostrando a olhos de ver. Xícaras, bonecas de pano, vestimentas de pagão, ânforas, castiçais, bibelôs perdidos pelo tempo, que retratavam infâncias felizes.
Quase que podia ouvir o som daqueles que os manuseavam...o barulho de crianças correndo para lá e para cá, as vozes de homens e mulheres, o som das galinhas no quintal, da bruma do Aracati, o sussurro dos segredos confessos nas bem ou mal traçadas linhas.
Meses depois o Memorial foi inaugurado.
A escuta do silêncio tão imenso de memórias, fez-me pensar nesse blogg.
Minha tia teve a iniciativa de construir o memorial da Farmácia São João, em Itaiçaba, Ceará. Com ele veio o resgate das memórias da família.
Um dia convidei tres amigas queridas, Rocemilda, Eliana e Leandra para conhecerem o museu. Estávamos às vésperas do eclipse lunar e do perigeu...era a lua de sangue, lua das bruxas...luar do sertão iluminado.
Ao voltarmos, elas me sugeriram fazer um blogg que pudesse incentivar as famílias de outras casas, a contarem suas próprias estórias e reminicências.
Esse blogg se destina a incentivar as pessoas a contarem suas estórias de família e a resgatarem suas memórias ancestrais, dos fulanos e beltranos que fizeram algo em suas existencias cotidianas e comuns, mas que proporcionaram a diferença para os seus.
Vamos começando por aqui com as estórias da família Lima Soares, de Itaiçaba Ceará.
Venha contar também a sua lembrança.

Lise Mary Soares Souza
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